top of page
Foto do escritor Ingrid Osternack

O que o texto não diz

Em muitos textos infantis, às vezes a história se desenrola de um modo que não sabemos onde os personagens estão ou o que estão fazendo enquanto falam. Uma característica que gosto em algumas ilustrações é quando a ilustração diz algo a mais sobre a história, especialmente quando o texto não diz. Sempre que possível, tento ilustrar de um modo que não seja mera repetição do que diz o texto.


Por exemplo, no início do livro ‘A Busca de Aninha’, que ilustrei, os pais conversam com a filha e o texto não revela o que estão fazendo nem onde estão. Como Aninha tinha acabado de chegar da escola, já foi falando com o pai e a mãe sobre o seu dia. Como ela chegou? Alguém a trouxe? Ela foi sozinha? Estava de uniforme ou não? Sabemos que muitas crianças ainda vão à escola sozinhas, mas como nas grandes cidades geralmente são levadas pelos pais, ilustrei essa parte incluindo a mãe, como se ela tivesse ido buscar a menina. Nesse momento inicia-se a conversa entre os três (pai, mãe e filha) sobre o que aconteceu na escola e me perguntei: onde estavam? Na sala, no sofá? O diálogo era longo, o que tomaria algumas páginas. Considerei que as ilustrações seriam um pouco entendiantes se eles ficassem o tempo todo na sala conversando. Coloquei-me na situação deles: quando meus filhos chegam da escola, o que fazemos, em que lugar da casa estamos? Assim, ao invés de ilustrá-los somente conversando, resolvi incluir na história o que geralmente acontece em algumas famílias quando uma criança chega em casa depois da escola: uma refeição com os pais ou em família. Os personagens, durante o tempo em que estão conversando sobre o ‘problema’ que a menina precisa resolver, arrumam a mesa, comem e retiram os pratos.  Entretanto, desse momento da história, o que mais me chamou a atenção no texto foi o seguinte diálogo:


“— Ai, papai, estou tão nervosa… Não sei bem por onde começar! O senhor vai me ajudar, não vai?


— Pede pra mamãe, filhinha.


— Opa! Não me ponha nessa história. Eu não tenho vocação para detetive — disse a mãe já saindo de fininho.


— Xiii… Estou vendo que vai sobrar para mim — disse o pai já conformado com a nova missão.


— Oba! — exclamou Aninha. — O papai vai me ajudar. Que bom!”


Quando eu li esse texto pela primeira vez, fiquei um pouco impressionada com a atitude da mãe, ‘saindo de fininho’. Eu me perguntei: por que a mãe teria deixado de ajudar a filha? Fiquei me imaginando na situação. O que uma mãe tem tanto a fazer que resolve delegar ao pai essa tarefa com a filha? Para que o leitor não tivesse a sensação de que a mãe não queria ajudar a filha ou que tratou o seu problema com descaso, resolvi ilustrar a mãe levando os pratos para a pia, que já estava cheia de louça. Ou seja, podemos dizer que a ilustração ajudou a elucidar o motivo pelo qual a mãe não poderia ajudar a menina (na interpretação do ilustrador, pelo menos…). Não porque ela não queria, mas porque tinha outras tarefas a fazer.  Veja ilustração abaixo:




Finalizando, é importante ressaltar que essa ‘liberdade’ que tomei foi apresentada e aprovada pelo editor. Como já disse antes em outro post, todas as minhas ilustrações são apresentadas em forma de ‘rafes’ previamente e sempre aprovadas pela editora. Assim a editora tem a segurança de que não terá nenhuma surpresa e eu tenho a segurança de que não terei que refazer nenhuma ilustração.

6 visualizações0 comentário

Comentários


bottom of page