O Impacto da INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL no Mercado de Ilustração - Minha opinião
- Ingrid Osternack
- 15 de ago.
- 6 min de leitura

Dias atrás, recebi uma mensagem de uma ilustradora iniciante me perguntando sobre qual será o impacto da IA no mercado de ilustração.
Minha opinião: já impactou, e muito. Veja: em 2023, já chegou ‘causando’, sendo finalista do Prêmio Jabuti na categoria ilustração. Foi desclassificada, e isso gerou bastante polêmica.
Mas fica aqui comigo que tenho algumas considerações a respeito do assunto.
Com relação à IA, não somente o futuro é incerto, pois já impactou e continua a impactar. É o nosso novo concorrente. Há pesquisas relatando perda de trabalho para ilustradores, escritores, tradutores, copywriters e também há pesquisas dizendo que há um ‘cansaço’ das imagens produzidas pela IA.
Mas o fato é que, a princípio, foi uma febre, todo mundo empolgado.
Eu até ouvi de um cliente::
— ‘Olha que lindo esse trabalho feito com IA’.
E eu, que não sou ‘boba nem nada’, já entendi nas entrelinhas:
— ‘Ficou muito melhor que o seu - e ainda é de GRAÇA’.
Claro que fiquei bem preocupada: o que será de minha carreira? E todo o esforço que fiz para realizar meu sonho? E todos os cursos e investimentos em materiais? E o tempo, será que foi tudo perdido? O que será de mim agora?
Mas… aos poucos fui percebendo que a empolgação com imagens geradas por IA começou a diminuir. Eu comecei a ouvir:
— “Ui! É feito com IA.”
— “Olha que feio! Tem 6 dedos!”
— “Tudo igual…”
Até aquele cliente, que tinha ficado empolgado com a IA logo que começou a moda, me disse na semana passada:
— “Viu aquele trabalho X da empresa Y? Foi feito com IA” - disse ele, com cara de ‘nojinho’.
Obviamente, fiquei super feliz em ver que ele já tinha enjoado do estilo. Pela expressão dele, parecia que estava mais estava ‘enojado’ do que ‘enjoado’.
Essa interação, entre outras, me fez perceber algo:
Mesmo os que estavam empolgados - ou até mesmo fascinados - com a geração de imagens de IA, começaram a ficar cansados de ver essas mesmas imagens.
Sabe o que me deixa intrigada? É curioso como, mesmo essas imagens, geradas pela IA, tendo vários estilos, as pessoas percebem uma falta de ‘profundidade’ na imagem.
Ou seria, falta de ‘humanidade’?
Não sei mas acredito que isso possa ser estudado. Muita gente diz que falta ‘alma’ no trabalho.
Mas… tem acontecido ainda outro fenômeno: muita gente começou a me procurar no Instagram, no privado, pedindo para eu ilustrar para eles, pois eles querem uma ilustração feita por mãos humanas. E não só isso: querem algo original, que eu chamaria de “autoral”.
O que percebi é que a ilustração tradicional, que é a que faço - com tinta e lápis de cor - está sendo mais valorizada.
E isso não é algo que somente eu estou observando, com os pedidos que recebo, mas também é uma discussão que está acontecendo internacionalmente, como li recentemente na plataforma Reddit.
Voltando um pouco no tempo, quando surgiu a ilustração digital, a qualidade das primeiras eram realmente bem sofríveis. Mas, de uns anos para cá, a ilustração digital alcançou níveis de qualidade excepcional, e isso acabou fazendo com que a procura por ilustração feita com tinta, lápis de cor e aquarela diminuísse. E é um fato que fazer com tinta e lápis de cor demora mais. Além disso, a ilustração digital é mais fácil de ser alterada, o que faz com que muitos clientes prefiram, além de outros fatores de estilo e gosto.
Mas agora, com a chegada da IA, está acontecendo um retorno ao tradicional, às texturas, ao imprevisto da aquarela, às ‘entrelinhas’ que só um humano consegue inserir nas suas ilustrações.
O que é feito por mãos humanas, que é perceptível sob o que é ilustrado ou escrito, aparentemente, a máquina não conseguiu ainda replicar.
Entretanto, devemos reconhecer que a IA faz, de fato, imagens espetaculares e, para quem busca algo que somente retrate o que é dito, ela pode ser a solução.
Mas quem busca algo além, um toque de humor, um ‘easter egg’, uma referência sutil, uma narrativa secundária, um ‘trocadilho visual’, e algo autoral, original, creio que vai continuar querendo ilustrações feitas por pessoas.
A IA veio para ficar, e já há leis sendo feitas para proteger o que é feito por mãos humanas, tanto nos EUA, na Inglaterra e na Dinamarca. Quando estive na Feira de Bologna, no ano passado, o tema do discurso de abertura foi a necessidade de uma lei de direitos autorais para proteger escritores e ilustradores em relação à IA.
E creio que isso seja muito necessário, porque não sabemos como a IA faz para produzir suas imagens.
Afinal, de onde ela tira as referências para produzir? Com certeza, de imagens produzidas por seres humanos, espalhadas pela internet. Já ouvi dizer que até mesmo imagens protegidas por direitos autorais tem sido usadas para treinar IAs.
A IA é algo admirável, mas outras invenções menos impressionantes também impactaram outras profissões na história do mundo:
Quando surgiu a fotografia, com certeza todos os artistas pensaram: acabou a minha profissão. Entretanto, o mercado de materiais artísticos mostra que esse atividade só cresceu. E está estimado em 25 bilhões de dólares para 2025, segundo o site Fortune Business Insights.
Quando surgiu o pão industrial, mais barato, houve uma diminuição das padarias artesanais. Porém, atualmente, qual é o mais valorizado?
O café também - olha a febre do café especial, premiado, que é produzido de modo quase artesanal. O café de “garrafa térmica”, é claro, persiste, mas quem pode escolher, quer um café de alta pontuação. E está disposto a pagar mais por isso.
Eu confesso: sou consumidora ávida de café especial e também do pão artesanal. ;)
Além disso, quem não quer algo especial para si próprio? Um queijo artesanal, um sorvete artesanal, um chocolate bean-to-bar, uma roupa sob medida, feita por um alfaiate…
Certamente alguém vai me dizer: mas a Inteligência Artificial tem muitas vantagens em relação aos ilustradores: velocidade - não tem como competir - além do custo, que é bem baixo.
Claro que é mais barata, afinal, IA não tem boletos para pagar, né? Trabalha praticamente de graça, não tira férias nem dorme.
Mas temos que considerar que, de fato, não ‘cria’ nada e pode até ferir direitos autorais, pois é treinada com o que os humanos já fizeram ou tem feito.
Se fosse um ser humano, provavelmente sofreria uma ação por plágio. Mas, do modo como está, quem seria o responsável?
Enfim, embora a crença seja que os ilustradores sejam praticamente ‘desenhistas’, o fato é que ilustradores não são ‘meros executores de imagens’.
O ilustrador é um ‘contador de histórias’, e o faz ‘visualmente’.
Ele conta experiências vividas por seres humanos, transmite mensagens, ensina, emociona, faz rir e conecta, pois o ser humano se conecta e empatiza com pessoas.
São as pessoas que vivem as histórias, e são pessoas - seres humanos - os protagonistas dessas histórias.
E o que acho - minha opinião - que vai acontecer com os ilustradores?
Aqueles que produzem ilustrações para bancos de imagem podem sofrer mais com a chegada da IA. Isso porque são imagens mais genéricas, e que vários estilos podem ser utilizados. Se um cliente pede uma imagem de uma criança, por exemplo, sem contexto, várias ilustrações dos bancos de imagens, ou geradas por IA, podem satisfazer esse necessidade. Na verdade, os bancos de imagens já estão com uma boa porcentagem de imagens feitas por IA.
Ilustradores que fazem imagens hiperrealistas. Artistas excepcionais, super talentosos, podem sofrer com a chegada da IA, já que esse é um tipo de ilustração mais fáci de ser copiado pela própria.
Ilustradores que fazem imagens sem um estilo próprio, autêntico ou original, sem narrativa, contexto, podem, sim, perder espaço para a IA. Na verdade, provavelmente já perderam clientes, infelizmente.
Ilustradores digitais e tradicionais, que tem um trabalho com estilo, com qualidade, que criam soluções para seus clientes, provavelmente serão mais valorizados, e terão mais demanda.
Ilustradores com técnicas tradicionais, de qualidade artística, estilo próprio e autoral, com storytelling, texturas, e até mesmo imperfeições, mas que também dominam a parte técnica e comercial da profissão, provavelmente terão maior demanda do seu trabalho.
E, por último, mas não menos relevante, também tem a questão de gosto: alguns gostam de um estilo, e outros de outro. Então, acho que haverá mercado para vários estilos, entre eles, os estilos que a IA não conseguir copiar tão bem.
Respondendo à pergunta da ilustradora que entrou em contato comigo: eu acho que, infelizmente, parte dos ilustradores que existem serão substituídos pela IA.
Mas aqueles que buscarem se desenvolver, tiverem um estilo próprio, identificável, contarem histórias visualmente que suscitem emoções, reflexão e empatia por parte dos leitores, esses vão permanecer, e serão ainda mais valorizados.
O que é preciso buscar: não ser igual a todo mundo, se destacar, se aprimorar, aprender as nuances do mercado - seja a parte artística, editorial, bem como comercial - e focar naquilo que você tem de único, que é a autenticidade, a empatia e a interpretação subjetiva de uma experiência humana, que uma máquina não consegue entender.
E você, o que acha?
Uma ilustrada semana!
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